09 março, 2022

(aula) O capitalismo é masculino? (II)

 (aula)

O capitalismo é masculino? (II)

7 de Março

2022
















Miguel Ângelo, A criação de Adão, c. 1511

Capela Sistina, Vaticano

Nesta aula, a partir da investigação de Potira Maia, demos continuidade ao debate acerca das tensões estabelecidas entre homens e mulheres desde os primórdios da humanidade na tentativa de responder à pergunta: O capitalismo é masculino? Num primeiro momento, tentámos compreender, com o apoio de um ensaio de José Gabriel Pereira Bastos («O inconsciente do dinheiro, símbolo do poder fálico»), de que modo o dinheiro é a «forma maior» do delírio colectivo. Compreendendo este a partir da definição de Durkheim (o delírio é «todo o estado no qual o espírito acrescentou algo aos dados imediatos da intuição sensível», projectando nestes os seus sentimentos), Pereira Bastos escreve: «Se partirmos da actualidade, o dinheiro é a forma maior desse delírio que serve não apenas a Religião monoteísta — isto é, a busca inconsciente da imortalidade, concentrada na Aliança homoerótica com o Pai — mas o que lhe subjaz, a inveja masculina da fecundidade feminina e o roubo despótico da centralidade da fecundidade das Mães, produtoras de Vida. Inveja essa que inventa a guerra dos sexos e condena uma parte dos Homens, constituída como “A Elite”, a se assumirem como gestores da Guerra Eternizada e como produtores do roubo, da Destruição e da Morte em grande escala, enquanto produzem discursos sobre Paz, Democracia, Cooperação e Igualdade».   
 
Esta proposição conduziu-nos directamente ao segundo autor estudado, Jean-Joseph Goux, que detecta, na causa de qualquer guerra, uma razão teológica. Neste sentido, Goux, embora não escrevendo sobre a «inveja masculina», esclareceu-nos que esta se baseia, em última instância, numa inveja de natureza teológica, pois a fecundidade feminina manifesta o poder único e divino de criar vida. Mas o texto de Goux levou-nos ainda mais longe — projectando uma luz rasante sobre a actualidade da guerra: «Qualquer guerra é assim e sempre uma guerra de “religião”, no sentido em que necessariamente ela transfere os interesses em luta e as energias mobilizadas para o desfile de alguns significantes últimos aos quais se vêm agarrar as razões de viver — que são sempre as melhores e as únicas razões de morrer. É por isso que uma guerra precisa sempre de uma religião — seja qual for a sua forma; ou inversamente, podemos chamar “religião” a todo o dispositivo significante (qualquer que seja, mas ele somente) que se aguenta até ao ponto de justificar a guerra» («Freud et la structure religieuse du nazisme», in Les iconoclastes).
 
Destas leituras e do debate que se seguiu, extraímos duas definições — uma acerca da guerra, a outra sobre a religião (a primeira sendo proposta por Paulo Sarmento):
—  a guerra é o choque entre duas (ou mais) dominações da vida;
— a religião é toda a representação que aguenta uma guerra (no duplo sentido da expressão: aguenta porque sustenta ideologicamente uma guerra, e aguenta porque supera a provação da guerra: a guerra é a prova experimental e sacrificial da religião).  
 
No final da aula — conturbado pela urgência da pergunta «Porquê a guerra?» — evocámos excertos de um texto de Alexandre Koyré, «Reflexões sobre a Mentira» — o qual nos deu o mote para a próxima aula. 

Sem comentários:

Enviar um comentário