03 fevereiro, 2022

(aula) Dois infinitos

 (aula)

Dois infinitos

31 de Janeiro

2022


Robert Flud, Utriusque cosmi majoris scilicet et minoris [...], 
1617-[1619] pormenor

Nesta aula, aprofundámos dois aspectos decorrentes das aulas anteriores e que nos pareceram susceptíveis de introduzir a prática do colectivo Guarda Rios (que será acolhido na próxima aula). A saber: a noção de infinito no capital e, de passagem, o logro do chamado «capitalismo verde».

Primeiramente, lembrou-se que Marx, para explicar a capitalização (a transformação do dinheiro em capital), enuncia, no Livro I d’O Capital, aquilo a que chama a «fórmula universal do capital»: D — M — D’ na qual o dinheiro (D) é investido para comprar uma mercadoria (M) cuja venda visa apenas um acréscimo de dinheiro (D’). Ora, esta fórmula inverte uma outra fórmula que exprime a função do dinheiro quando este assegura a circulação das mercadorias (M — D — M). Quer isto dizer que, na capitalização (expressa na primeira fórmula), a mercadoria passou a ser apenas um meio de circulação do dinheiro, no qual o Mesmo é substituído por si mesmo — engrandecido. E é precisamente porque o dinheiro passou a ser um fim em si mesmo que o capitalismo não tem qualquer limite interno. Como resume Marx, «o movimento do capital é, portanto, sem medida» porque a sua finalidade última não lhe é exterior. O início e o fim desse movimento coincidem sempre no mesmo elemento: no dinheiro em circularidade e em circulação idealmente ilimitadas (o dinheiro diferindo de si próprio apenas na quantidade). Por outras palavras ainda, o infinito do capitalismo só existe em potência, como infinito quantitativamente crescente, sem nunca passar ao acto ou sem nunca se actualizar. Assim entrevimos — uma vez mais — o confronto entre esta lógica da infinitude e a experiência do infinito na arte — experiência que, ao invés, é sempre qualitativa, formada por uma pontualidade onde o infinito se inscreve ou rompe o tecido da finitude. A essa pontualidade podemos chamar «obra».


O segundo aspecto foi simplesmente introduzido com a leitura comentada de uma passagem de Anselm Jappe (extraída do seu livro Sobre a Balsa da Medusa. Ensaios acerca da Decomposição do Capitalismo, capítulo «Decrescimentistas: ainda mais um esforço!…»): «Desde há duzentos anos que o capitalismo evita o seu fim, correndo sempre um pouco mais depressa do que a sua tendência para se desmoronar, graças a um aumento contínuo da produção. Mas se o valor não aumenta, até diminui, o que em contrapartida aumenta é o consumo de recursos, a poluição e a destruição. O capitalismo é como um bruxo, forçado a deitar todo o mundo concreto no grande caldeirão da mercantilização, para evitar que tudo pare. A crise ecológica não pode encontrar a sua solução no quadro do sistema capitalista, que tem necessidade de crescer permanentemente, de consumir cada vez mais matérias-primas, apenas para compensar a diminuição da sua massa de valor. É por isso que as propostas de um “desenvolvimento duradouro” ou de um “capitalismo verde” não podem ter êxito: elas pressupõem que o animal capitalista possa ser domesticado, isto é, que o capitalismo tem a opção de parar o seu crescimento e de permanecer estável, limitando assim os danos que provoca.»

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