10 fevereiro, 2023

(aula) Caravaggio, Nancy e a Ressurreição (III)

 (aula)

Caravaggio, Nancy e a Ressurreição (III)

de Fevereiro

2023



Livro de Horas de Bonne de Luxembourg (Duquesa da Normandia)
Iluminura do fólio 331r ilustrando as feridas de Cristo e os instrumentos da Paixão (detalhe)
(atribuído a Jean le Noir ou à sua filha Bourgot - antes de 1349)
The Met Cloisters, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque



Nesta aula, procurámos concluir a leitura do quadro de Caravaggio A Incredulidade de São Tomé, concentrando-nos no foco vertiginoso dessa pintura: o toque de Tomé na ferida de Cristo. Tal leitura conduziu-nos à conotação erótica, e mesmo sexual, do desejo de Tomé: o seu indicador penetra numa chaga em forma de vulva. De resto, é a própria iconografia cristã, pelo menos desde o século XIV, que começou a isolar a quinta chaga assemelhando-a — ostensivamente — a um sexo feminino aberto (entre muitos exemplos, Tomás Maia, tendo dado esta sequência de três aulas, destacou o espantoso fólio 331r do Bréviaire de Bonne de Luxembourg). Esta representação, a de uma ferida vulvar, fecunda e mesmo hemorrágica, não deve surpreender-nos muito: afinal, foi da chaga sangrenta de Cristo que nasceu a Igreja… Ora, a ferida pintada por Caravaggio assemelha-se, em contrapartida, a uma boca sem lábios — e, sobretudo, a uma vagina que não sangra mais. Estamos perante uma imagem inaudita, anunciadora do fim da Eucaristia. Cristo não é — ou já não é — uma substância regeneradora: é o nome histórico que indica o vazio íntimo de cada humano.

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