(aula)
Arte e capitalismo (III)
29 de Novembro
2021
Nietzsche em 1899. Foto: Goethe- und Schiller-Archiv Weimar
Partimos dos dois enunciados que propusemos a partir da leitura de Nietzsche:
a) Deus é o credor existencial: devemos-lhe tudo, desde sempre e para sempre;
b) A crença é portanto, originariamente, um crédito: acreditar (credere) em Deus é creditar (credere) nesse ente a nossa existência. Está aberto o programa do crédito infinito — ou da dívida eterna.
Na primeira parte da aula, tentámos aclarar estes dois enunciados com a pergunta: que significa, então, creditar o ser num ente (supremo) — se tal é a essência da crença (religiosa)? E que quer isso dizer no regime capitalista?
Quer dizer que o dinheiro passou a ser divino atribuindo-se-lhe o poder supremo de se auto-reproduzir. A finança, como religião global, procura concretizar o sonho porventura mais arcaico da humanidade: a autoprodução (ou autoconcepção) do humano. «Deus» — a imortalidade — é o poder de (se) dar perpetuamente vida. Crer em deus é creditar-lhe esse poder (o poder-ser infinito).
Não bastará assim dizer que o nome do deus capitalista é o «dinheiro»: se a Acumulação (a «acumulação original», como diz Marx depois de Adam Smith) e o Lucro predominam nas fases mercantil e industrial do capitalismo, então a Especulação é o culto específico do capitalismo financeiro. E tal culto tem um ídolo puro — o Crédito — e um templo maior: a Bolsa (de valores). O objecto do culto capitalista é o dinheiro enquanto entidade viva e auto-reprodutora. Divisa (secreta) da finança: como não se pode vencer o tempo, então que vençam os juros do tempo capitalizado (ou seja, os juros do crédito). Como não se pode ganhar ao tempo, então que se exproprie o tempo dos outros: que se ganhe aos outros no jogo do tempo (ou da vida).
Na segunda parte da aula, fizemos um excurso sobre o cristianismo, a partir de um texto de Paulo Sarmento, A ficção de Cristo e o que ela pode significar antropologicamente, entretanto publicado na página da Escola Livre e disponível aqui:
O texto foi lido pelo Paulo tendo propiciado um debate. Neste debate, a propósito de leituras não ortodoxas da figura de Cristo (na leitura do Paulo, é aventada a hipótese de um Cristo ateu como condição da fraternidade cristã), Sei Miguel lembrou o capítulo II da Segunda Parte do romance de Mikhail Bulgakov, Margarita e o Mestre, intitulado Pôncio Pilatos.
Excerto da conversa entre Pôncio Pilatos e Jesus Cristo, da série russa inspirada pelo romance de Bulgakov:
Versão inglesa do primeiro episódio da série. Conversa completa entre Pôncio Pilatos e Jesus Cristo aqui (entre os 15 min. e os 36 min.):
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