(aula)
Mal de identidade (III)
a questão indígena
7 de Dezembro
2020
Nas aulas passadas, a discussão acerca do mal de identidade e dos mitos originários desdobrou-se em torno da Alemanha nazi e do holocausto. Nesta aula, demos continuidade a essa reflexão debruçando-nos sobre a problemática do genocídio e do etnocídio indígena no Brasil. A visualização prévia do filme Pisa Ligeiro (Bruno Pacheco de Oliveira, 2005, 40’) serviu como primeira aproximação à resistência dos povos indígenas e às actuais formas de organização e luta pelo pleno reconhecimento dos seus direitos cívicos.
frame de Pisa Ligeiro
Duas apresentações lançaram a reflexão sobre a situação do povo indígena no Brasil:
(1)
Potira Maia, brasileira, natural de Vitória da Conquista, Bahia, leu-nos o seu texto Pensar a identidade brasileira e a hetero-geneidade, sobre a perspectiva de uma brasilidade não indígena. A partir do reencontro com sua história, retomou o mito de origem de sua cidade natal para pensar os mecanismos de conformação para uma identidade branca aniquiladora que se desconhece herdeira e reprodutora do paradigma da identidade racial. Recorreu às noções de homogêneo e heterogêneo (dadas por Georges Bataille) e deslocou-as ao universo antroplogógico para pensar a identidade brasileira e o genocídio indígena.
(2)
Kaianaku Kamaiura, que pertence ao povo Kamaiura do Alto-Xingu, no Parque indígena do Xingu, a primeira terra indígena homologada pelo governo brasileiro, falou-nos da cidade Ocidental, onde está a fazer o mestrado interdisciplinar em direitos humanos, da Universidade Federal de Goiás.
Apresentou-nos dados que revelam a queda brutal das populações indígenas desde há 520 anos e a história de resistência frente ao genocídio. Discorreu sobre os modelos de política indigienista que marcam a história do Brasil: o primeiro modelo de escravização e extermínio, configurado em práticas deliberadas de genocídio e etnocídio (através da educação reigiosa), perdurou toda a colonização portuguesa; o segundo modelo de tutela, caracterizado pelas politicas de homogeneização e de integração dos povos indígenas aos contextos urbanos, foi adotado a partir da instituição da República e aplicado durante quase todo o século XIX; o terceiro modelo de luta pelos direitos de igualdade e pluralidade cultural, teve como marco a Constituição de 1988 e revela os processos de organização e envolvimento de representantes indígenas na politica governamental brasileira. Concluiu apontando-nos os retrocessos que os direitos indígenas vêm sofrendo com o atual governo e a desassistência absoluta face à pandemia do Covid-19.
Ocupação da Câmara durante discussão do capítulo dos índios (artigos 231 e 232) na Constituinte (1988, fotografia de Beto Ricardo)
Após as apresentações, Kaianaku Kamaiura respondeu generosamente às questões suscitadas pela sua partilha, que incidiram sobretudo em evidenciar as violências sofridas até aos dias de hoje, e em compartilhar os ensinamentos dos povos indígenas brasileiros ao ocidente, passando pela relação com a terra, configurada em direito de usufruto, não em direito de propriedade, e pela igualdade (direitos de cidadania) como condição para a diferença (pluralidade étnica e cultural).
Sem comentários:
Enviar um comentário