13 outubro, 2022

(aula e publicação) Viagens Nocturnas

(aula)

Viagens Nocturnas

11 de Outubro

2022


Brakhage, The Dante Quartet (1987)

Visionámos, nesta aula, as seguintes curtas-metragens de Stanley Brakhage propostas por Pedro Florêncio:


The Wonder Ring (1955)
sem som, 16 mm, cor, 5 min.

Cat's Cradle (1959)
sem som, 16mm, cor, 6 min.

Window Water Baby Moving (1959)
sem som, 16mm, cor, 12 min.

The Act of Seeing with One's own Eyes (1971)
sem som, 16mm, cor, 32 min.

The Wold Shadow (1972)
sem som, 16mm, cor, 2 min.

The Garden of Earthly Delights (1981)
sem som, 16mm, cor, 2 min.

The Dante Quartet (1987)
sem som, 16mm, cor, 6 min.

Love Song (2001)
sem som, 16mm, cor, 11 min.

Stellar (1993)
sem som, 16mm, cor, 2 min.

Black Ice (1994)
sem som, 16mm, cor, 2 min.

Study in Color and Black and White (1993)
sem som, 16mm, cor, 1 min.

Comingled Containers (1996)
sem som, 16mm, cor, 2 min.

Night Music (1986)
sem som, 16mm, cor, 30 seg.

Sobre a obra de Brakhage, Pedro Florêncio já havia escrito um texto crítico — do qual citamos aqui um excerto (com a permissão do autor):
«O cinema de Brakhage não anda longe de uma experiência tensa do deslize, na qual um regime de visibilidade tactilmente engendrado (os filmes Brakhage são filmes verdadeiramente concebidos à mão) encontra no gesto de persistência ocular o possível centro gravitacional. Não se deve entender esse “centro” como um qualquer abrigo seguro do acto de percepção espectatorial, muito menos como uma alusão à possível experiência intelectiva dos filmes, que de abstracto pouco têm. Pelo contrário, o problema enunciado, a havê-lo, passa pelo facto de o “centro ocular” ser tão móvel quanto a própria gestualidade ecrânica que se nos apresenta. Esse respirante “centro” móvel – eventualmente ofegante à medida que o tempo passar e os filmes se encadearem na sua incandescência – é o nosso próprio corpo.
Por outras palavras, o cinema de Brakhage tem o condão de nos fazer perceber (ou melhor, “lembrar”) que, face ao gesto cinematográfico, há sempre corpos em gestação. O elemento visível do cinema é o gesto, não a imagem. 

Ora, um filme de Brakhage não se vê: gestualiza-se. Os seus filmes levam ao limite a percepção do que nunca é visível a olho nu. Segundo Tomás Maia, em O Olho Divino, esta é a possibilidade do cinema. O que está em jogo não são tanto os choques emocionais de um qualquer cinema de atracções – estes pressupõem como atividade cognitiva a concentração ainda antes da compreensão. É, sim, uma declarada persistência da visão sobre o que, não sendo verdadeiramente visível, encarna no acto de percepção. O tenso gesto de inclinação sobre as imagens e o seu derrame gestual no ecrã evidenciam, assim, uma secreta força do desejo. Falamos de um encontro carnal que se concretiza na coincidência entre o choque do espectador com a matéria e a tomada de consciência da inevitável desmaterialização. O mais potente lugar do desejo é sempre aquele em que encontramos “a vida-e-a-morte numa invariante suspensão” (de novo, recorro a palavras de Tomás Maia). 

No cinema de Brakhage, o ecrã torna-se num palco de ruínas em veloz combustão. Tudo o que aparece fala do inevitável desaparecimento – o cinema como gesto de alternância entre vida e morte, portanto. O nosso corpo, frágil como o mundo, é revelado na sua ilusória continuidade: somos iluminados cinematograficamente por uma totalmente outra velocidade de projecção. Se a vida nada mais é que um cruzamento de diferentes velocidades, então, o desejo nada mais é do que o
choque luminoso (na melhor das hipóteses, ofuscante) entre dois corpos que subitamente se inclinam um sobre o outro. Como ler o “livro da vida” e os seus grandes temas – sexo, nascimento, morte, Deus, justamente os temas postos em cena nos filmes da sessão de hoje – senão persistindo contra as suas deslizantes “frases”? Se agarrarmos uma só que seja, é sinal que desse improvável encontro emergirá um novo corpo e, com ele, uma reformada percepção.»

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