(aula)
Música e poder II - arte ética e política
(primeiro momento)
22 de Fevereiro
2021
O poder de formar mundo das artes nunca foi alheio ao poder político — daí tê-las este requisitado sempre para formarem um mundo à medida dos seus interesses. A música, desde as suas origens mágicas ao campo de batalha, passando pelos cânticos religiosos, não foi excepção, participando activamente na máquina de sujeição. Ela está particularmente bem apetrechada para sincronizar os corpos, graças ao seu elemento rítmico, e para adoçar as vontades mais ásperas, graças ao seu elemento melódico. Contudo, como em todas as artes, também na música há um resto irredutível, que desmonta o propósito da vontade de poder sobre os corpos e estimula a vontade de pujança desses mesmos corpos. Cientes da natureza ambígua da música e deste resto que lhe assiste (e pelo qual resiste), alguns dos grandes compositores do século XX souberam introduzir na servidão da música elementos de sublevação (foi o caso de Dmitri Shostakovich) e fazer dela uma voz profética capaz de desmontar qualquer discurso triunfante e fatalista (foi o caso de Béla Bartók).
Abriu-se o tema com a menção de um escutar que difere do ouvir, uma reflexão que deixamos aqui:
Desenrolou-se depois o primeiro momento desta reflexão com a apresentação da peça The unanswered question the Charles Ives (versão de James Sinclair com a Nothern Sinfonia).
The unanswered question, a questão que nos lança (sem resposta) o trompetista é a questão do próprio ser humano, é a pergunta acerca da existência.
Quem será o trompete? Poderá ser o artista?
Resta, na resposta à pergunta, o silêncio.
Não será essa a função da arte, a de renovar a escuta do silêncio (o seu abrir) e não será a sua pergunta (a da arte, a do ser) sempre um retomar contínuo, para o qual não há resposta?
O fazer silêncio da arte é participante no elo que a liga à ética e à política.
Nota. No passado ano lectivo, foram dedicadas algumas sessões à obra Quarteto para o fim dos tempos do compositor francês Olivier Messiaen, sob o título Música e Poder. O título Música e Poder II tem nisto a sua razão.
Sem comentários:
Enviar um comentário